Untitled Document
Inquietações de Assis retrata deliciosamente o cotidiano da vida do interior. A centenária Assis é homenageada neste livro dentro de aspectos muito peculiares. Alguns personagens característicos, eventos emocionantes e seus aspectos políticos e sociais aparecem em artigos publicados pelo autor em jornais locais desde 1975.
O destaque particular, ao ensino e ao professorado, representa a íntima relação do autor com esta cidade de efetiva tradição universitária.

     :: Por uma velhice melhor


Como é triste a velhice! Sobre a tristeza da perda física e intelectual que o passar dos anos inexoravelmente causa a qualquer ser humano, o que parece prevalecer mais no idoso é a tristeza maior pela falta da atenção que lhe é devida, especialmente da parte daqueles que dele são extensão vital, daqueles que ajudou a crescer, a conhecer com carinho os caminhos da vida. Magoa muito a reação de quem vê o velho com dificuldade, sem a tolerância necessária, como se ele fosse um estorvo, um problema de cuja solução não mais se possa tirar qualquer proveito.

Se recordar também é viver, as boas lembranças de uma vida anterior dinâmica e feliz, quando as invade essa tristeza maior, acabam por ficar muito confusas e amargas, uma vez que se misturam na fusão passado-presente as mesmas pessoas em atitudes diversas, que fazem sublinhar o desrespeito, a ingratidão e a hipocrisia.

O idoso então olha o horizonte, sem de fato o ver, como se ele fosse além com o olhar, para perscrutar o próprio Além, para tentar preexaminar o espaço que o espera, em nova fase, que só pode ser melhor. Mas o que machuca mesmo nesse olhar longínquo é a carga imensa de decepção com o mundo que vai ficando para trás. Porque os semelhantes, em geral de memória curta, esquecem facilmente o mérito pessoal e profissional desse idoso e, com injusto comportamento, o relegam praticamente ao abandono. Tal esquecer se torna ainda mais lamentável, porque olvida também que os velhos de amanhã hão de ser os próprios moços de hoje e, portanto, com esse tipo de atitude, podemos estar agindo, não só sem a consciência do passado, mas principalmente sem a perspectiva do futuro.

Num país jovem como o nosso é preciso pensar mais no problema da velhice, a fim de que, em boa preparação para os nossos dias finais, aprendamos a cuidar melhor de nossos velhinhos, com mais amor, com mais carinho, com mais atenção e tolerância, com maior reconhecimento do que representaram em sua idade ativa. Esse direito deles tem de entrar na rotina afetiva de qualquer lar, como seqüência natural dos problemas de uma casa bem formada, porque isso significa valorizar a experiência e fortalecer os laços familiares.

Se, praticando em instantes difíceis o verdadeiro sentimento de amizade familiar, conseguirmos superar com boa vontade as dificuldades que, obviamente, trazem as fases avançadas de uma vida decadente – sem que tenha ela o constrangimento de verificar que nisso está havendo um esforço de exceção – havemos, pelo menos, de permitir que esse idoso leve deste mundo a sensação de uma doce alegria última e a idéia de uma perspectiva melhor para as novas gerações, em seus momentos derradeiros.

(A GAZETA DO VALE – 23/09/93)